Por que ainda são poucas as mulheres que resolvem se candidatar?
Artigo de Mariana Vilela
Vocês observaram, em algum lugar, algumas mudanças nas campanhas destas eleições em relação à participação das mulheres?
Sim, há mudanças. É muito incipiente, ainda, mas algumas pequenas movimentações apontam que as mulheres perceberam a importância de serem representadas politicamente.
Afinal, se eu não participo ativamente nas instituições, sou governada e liderada por quem participa. E quem são os principais representantes e líderes destes espaços de poder? Essas pessoas me ou te representam, falam a minha ou tua língua, pensam como eu ou você pensa? Estão atuando em favor das transformações necessárias para a sociedade como um todo?
O próprio Tribunal Superior Eleitoral inaugurou neste ano o Projeto “Mais mulheres na política: a gente pode, o Brasil precisa”, liderado pela embaixadora da ONU Mulheres no Brasil, a atriz e porta-voz Camila Pitanga.
Como já abordei em recente entrevista sobre Mulheres na Política, tendo como participantes a enfermeira Cida Amaral (vereadora pelo PSDB) e a candidata pelo Psol Keit Lima, há uma cota definida para o incentivo da participação das mulheres de 30% nas candidaturas, porém elas ainda não estão sendo ocupadas. O que ainda as inibe ou as impede?
Neste ano, são 2.496 as candidatas a prefeita, de um total de 19.141 candidaturas. Trata-se de um percentual de 13%, o mesmo registrado nas eleições de 2016. Com relação ao cargo de vereador, as mulheres correspondem a 34% dos candidatos – 175.312 de um total de 509.969. Em 2016, elas eram 32%.
Ainda assim, é muito pouco. Mulheres seguem sendo minoria, de forma geral, na disputa pelo executivo e legislativo municipal em 2020 e, internamente, entre as candidaturas de cada um dos partidos políticos.
Mas onde estarão as mulheres que ainda não se encorajaram a se candidatar? Cuidando da casa, dos lares, dos filhos? Sendo agredidas, sendo mortas?
As pesquisas mostram que infelizmente, sim. O aumento do crime do feminicídio neste primeiro semestre foi registrado em 2%, segundo o Mapa da Violência da USP, sendo que 75% dessas mulheres são negras.
Além disso, no contexto de pandemia, o desemprego atingiu com muito mais força as trabalhadoras no Brasil. De acordo com um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, a participação das mulheres no mercado de trabalho é a menor em 30 anos.
O pesquisador do Ipea, Marcos Hecksher, vê algumas razões para a perda de espaço das mulheres. “O primeiro é que as mulheres estão em alguns dos setores que foram muito afetados. Segundo, elas têm uma carga maior de trabalho não remunerado em casa, e esse trabalho aumentou na medida que as escolas ficaram fechadas e terceiro lugar elas foram mais beneficiadas com o auxílio-emergencial que tinha o objetivo de manter as pessoas em casa”, diz Marcos Hecksher, em entrevista para o Jornal Nacional.
Haters e discurso de ódio no mundo
Um estudo feito pela União Parlamentar, em 2016, em uma organização internacional sediada na Suíca, contou com a participação de 55 parlamentares mulheres de 39 países das cinco regiões do mundo, revelando que 82% delas haviam sido alvo de violência psicológica e apontando as redes sociais como o principal lugar onde essa violência ocorreu. Não é conversa para boi dormir, os números estão aí.
Assim como eu, você alguma vez se perguntou o motivo da participação ativa das mulheres nas mais variadas atividades ainda é tão perseguida? Estou conversando com você, de qualquer gênero, qualquer orientação sexual, qualquer identificação.
Esta indagação e a percepção de preconceito e misoginia, de opressão e de definição de onde é o lugar da mulher, de qual o quadrado onde ela deve se fixar, me fez buscar respostas na literatura disponível.
Há uma série de livros, cada vez mais acessíveis, para compreender o contexto da mulher na sociedade e de sua participação.
Recomendaria a leitura de O Calibã e a Bruxa, de Silvia Federicci, que busca na história as respostas para entender o ponto do declínio do poder feminino na sociedade, especialmente na Europa, em que houve um massacre com o “Caça às bruxas”. Algo terrível! As mulheres foram queimadas vivas, seja porque não se encaixavam, seja porque se posicionaram ou se questionaram sobre o lugar a que lhes era atribuído.
A literatura de Simone de Beauvoir também é básica e necessária com o Segundo Sexo. Sim, ainda somos consideradas o Segundo Sexo, o “outro”, inclusive com os intelectuais homens antecessores sendo coniventes com tais degradações do sexo feminino, como bem aponta Silvia Federicci. Esta é apenas uma dos mais diversos escritos feminino no mundo.
Não há dúvidas: a participação da mulher na vida política, a revisão do seu lugar na vida pública, é um passo imprescindível para as transformações que necessitamos na sociedade. Você vota ou já votou em mulher alguma vez? O questionamento começa por aí.
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