Feiras literárias reaquecem o mercado do livro e colocam pautas de diversidade no centro da discussão
por Mariana Vilela
“É errôneo achar que literatura é somente para alguns. Literatura pode ser, sim, feita por qualquer pessoa”. Assim falou a assistente social, livreira e produtora de conteúdo Camilla Dias, na mesa Negritude e literatura brasileira: novos horizontes no cenário literário, na 3a. FliG, a Festa Literária de Guaratinguetá (SP). Mantendo o perfil do instagram @camillaeseuslivros, Camilla se destacou como uma figura marcante para pensar a literatura decolonial durante as feiras literárias da FliG e da 1a. Feira do Livro, que aconteceu do dia 8 ao dia 12 de junho na cidade de São Paulo.
A FliG, relizada do dia 2 ao dia 5 de junho em Guaratinguetá, fez uma festa democrática e conseguiu diversificar as mesas e ainda apresentar as manifestações culturais locais que incluíram capoeira, jongo, slam, rap e congada, não somente em formato de shows mas dando o microfone aos protagonistas destas iniciativas, mostrando que a literatura pode ir além de uma intelectualidade branca, masculina, e fechada em si mesma.
A feira de Guaratinguetá está na sua 3a. edição e homenageou Ruth Guimarães, escritora mergulhada na cultura popular do Vale do Paraíba e que tem a linguagem do livro Água Funda comparada a estilística de João Guimarães Rosa.
Já a Feira do livro, idealizada pela Revista Quatro Cinco Um, inovou na sua apresentação a céu aberto em frente ao estádio do Pacaembu, apesar de ter um formato de programação mais tradicional em relação a apresentações da FliG, mais focada em rodas de conversa e estandes de editoras. Mas não deixou de apresentar variedades de discussões e temáticas de diversidade, inclusive contando na sua programação a fala do escritor e ativista indígena Ailton Krenak e Djamila Ribeiro, autores de destaque na expressão do pensamento intelectual contra-hegemônico no Brasil.
Também chamou a atenção pela iniciativa inovadora da “foto histórica de mulheres escritoras”, que contou com mais de 400 autoras na escadaria do Estádio do Pacaembu, no domingo (12 de junho).
A escritora e pesquisadora Tatiana Lazzarotto, que acaba de publicar o seu livro “Quando as árvores morrem” pela editora Claraboia, esteve presente na foto histórica e acredita que esta ação foi importante por vários motivos, e um deles é dar visibilidade à literatura produzida por mulheres
no Brasil. “Quando a Giovana Madalosso (uma das organizadoras da foto), fez este convite, ela falou: nunca publicamos tanto, nunca escrevemos tanto”, conta.
No entanto, Tatiana acrescenta que, como não há pesquisas atualizadas exatas a respeito do número de mulheres que estão escrevendo e se fortalecendo nestes coletivos, esta foto foi importante para dar uma ideia de que tanto é este. “É realmente muito impactante esta imagem, ver todas essas mulheres juntas, se a gente pensar que a literatura brasileira foi protagonizada por homens, em sua maioria brancos,
cisgêneros, heterossexuais, de classes muitas vezes favorecidas, com acesso à educação e de localiza
ção geográfica muitas vezes privilegiadas, como o eixo Rio - São Paulo”.
Feminismo e sororidade na literatura
A mulher na literatura também foi uma das pautas na roda de conversa da Festa do Livro de Guaratinguetá, mediado pela crítica e influenciadora digital Tammy Grannan, do perfil @literatamy, que mediou a conversa com as autoras Dani Costa Russo e Cíntia Moreira.
Dani Costa Russo, que é editora responsável pelo selo Auroras da Editora Penalux, dedicado apenas em autoria feminina, contou que, com pouco tempo de formação, o Selo Auroras está sendo procurado por muitas mulheres que gostariam de uma editora mulher para um cuidado e tratamento diferenciado na sua editoração. “As escritoras acabam desabafando todos os seus problemas neste processo da escrita, que vão muito além do fazer literário. Elas estão sobrecarregadas, tem que dar conta do trabalho, da maternidade e muitas vezes tem pouco tempo para escrever”. Segundo Dani, que também é autora do livro Beijos no Chão, esta é uma realidade muitas vezes diferente do homem que escreve e que pode ser um limitador para a inserção da mulher escritora na atividade literária.
Novas narrativas de um mesmo lugar
A mesa chamada “Uma noite em Porto Alegre”, trouxe à tona uma Porto Alegre desconhecida para os próprios gaúchos.
Mediada pela crítica literária Luciana Araújo Marques, da Revista Quatro Cinco Um, a mesa contou com os convidados Jeferson Tenório, ganhador do Jabuti 2021 com o livro O Avesso da Pele, e José Faleros, autor do livro Os Supridores, apresentando outras visões de uma mesma Porto Alegre.
O autor José Faleros, que começou sua literatura com revistas em quadrinhos e é morador da região periférica de Porto Alegre, a Vila-Sapo, afirmou que sua literatura começou a ganhar identidade e chegar a mais pessoas no momento em que ele deixou de perseguir uma linguagem que não era exatamente a linguagem dos personagens daquela realidade. “Imagine colocar um traficante dizendo “Fazer-me-ei”, brincou ele, fazendo a platéia de espectadores rir.
Diferentes linguagens e formas, já que Jeferson Tenório também transita pela universidade - é graduado em Letras e mestre em Literaturas Luso-africanas pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e doutor em Teoria Literária pela PUC-RS, mas também com a mesma preocupação de ter uma linguagem que incluísse e não afastasse leitores. “Muitas pessoas me disseram que foi o primeiro livro na vida que elas conseguiram ler por inteiro”, disse ele. “Eu tive este cuidado para que O Avesso da Pele não oferecesse barreiras linguísticas ao leitor”.
Logo mais, em novembro deste mesmo ano, teremos a Flip, a Festa Literária de Paraty.
Que este movimento transformador que acontece na literatura reverbere em outros espaços e possa ser um impulsionador para repensar e refundar as bases estruturais da nossa sociedade.
Inspirando na frase da autora Cristina Judar, que também esteve presente em uma das mesas da FliG: “Livros, livrai-nos do nosso preconceito, da ignorância, da intolerância”.
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