Confesso que não sei porque este Dia das Mulheres, o dia oito de março, virou o “Feliz Dia das Mulheres”, a ponto de deturpar a essência simbólica desta data, que tem o histórico totalmente político, para tornar-se um dia de envio de flores e a exaltação da feminilidade (e falo aqui da beleza, delicadeza. Nos últimos tempos, tem sido valorizada a força da mulher). Mas, tenho aqui me questionado - Por que, “feliz”?
Penso que este dia deveria ser denominado “O dia da Consciência da realidade da mulher”, ou Dia da Consciência Feminina”, assim como o "Dia da Consciência Negra".
Para quem não conhece a história do dia oito de março, é sempre bom revisitar: trata-se de uma data comemorativa que transformou-se no “Dia Internacional da Mulher” como resultado da luta das mulheres por meio de manifestações, greves, e comitês.
O Dia Internacional da Mulher existe oficialmente desde 1975, quando foi adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como reconhecimento às diversas lutas das mulheres pelo mundo. A mais conhecida e associada à origem da data seria em homenagem às mais de cem mulheres incendiadas dentro da fábrica Triangle Shirtwaist Company, em Nova Iorque, em 25 de março de 1911. Apesar do forte sentido simbólico, diversas outras lutas operárias colaboraram para este reconhecimento
Vamos retomar alguns feitos no tempo com relação à consolidação desta data:
O primeiro registro remete a 1910. Durante a II Conferência Internacional das Mulheres em Copenhague, na Dinamarca, Clara Zetkin, feminista marxista alemã, propôs que as trabalhadoras de todos os países organizassem um dia especial das mulheres, cujo primeiro objetivo seria promover o direito ao voto feminino. A reivindicação também inflamava feministas de outros países, como Estados Unidos e Reino Unido.
No ano seguinte, em 25 de março, ocorreu um incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist, em Nova York, que matou 146 trabalhadores — incluindo 125 mulheres, em sua maioria mulheres imigrantes judias e italianas, entre 13 e 23 anos. A tragédia fez com que a luta das mulheres operárias estadunidenses, coordenada pelo histórico sindicato International Ladies’ Garment Workers’ Union (em português, União Internacional de Mulheres da Indústria Têxtil), crescesse ainda mais, em defesa de condições dignas de trabalho.
Outro ponto interessante é observar a forte presença das mulheres russas nessa luta da reivindicação por igualdade de direitos. As russas soviéticas também tiveram um papel central no estabelecimento do 8 de março como data comemorativa e de lutas. Por “Pão e paz”, no dia 8 de março de 1917, no calendário ocidental, e 23 de fevereiro no calendário russo, mulheres tecelãs e mulheres familiares de soldados do exército tomaram as ruas de Petrogrado (hoje São Petersburgo). De fábrica em fábrica, elas convocaram o operariado russo contra a monarquia e pelo fim da participação da Rússia na I Guerra Mundial.
Ou seja, retornando no tempo, é possível perceber a importância desta data no que se refere à luta, igualdade de direitos e especialmente questões trabalhistas. Porque será que a data foi tão esvaziada de sentido ao longo do tempo. Seria proposital?
Excelente análise crítica Mariana, sem falar na rica e esclarecedora revisão histórica. Se me permite dizer, considero que além da completa mercantilização da data e seu consequente esvaziamento simbólico ao longo do tempo, não podemos deixar de alertar para os crescentes e preocupantes casos de feminicídio. Ou seja, enquanto se “celebra” o 08 de março, inúmeras mulheres sofrem rotineiramente todo tipo de assédios e violência (física e psicológica), seja no ambiente doméstico, no trabalho, transporte público, etc.
Por fim, não sei te dizer se o esvaziamento da data se deu de forma proposital ou não. Contudo, sua forte mercantilização (como se fosse uma espécie de segundo Dia dos Namorados) seguramente ofusca seu significado simbólico original e relega a segundo plano…