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Sobre negacionismos e afins

Atualizado: 10 de dez. de 2021



“(...) Meu querido neto:


Todos os finais de tarde, o nosso Mainato Juliano bate o portão e desvanece-se na estrada rumo ao bairro, um bairro que ninguém nessa família conhece. Repara, meu neto, como esse negro é bonito, como ele concilia delicadeza e dignidade. Gosto dessa gente, os negros. É uma raça bonita, esta dos africanos. Há pessoas que garantem que não vêem raças, que só vêem pessoas. Eis uma coisa bonita de se dizer. Mas neste mundo de hoje, meu querido neto, ser cego para as raças pode ser uma maneira de não ver o racismo. E eu quero que estejas atento a este mundo cheio de coisas feias, mas também repleto de gente bonita. (...)


O trecho do livro Mapeador de Ausências, do escritor e jornalista Mia Couto, que narra o retorno de um professor e poeta à sua terra natal, em Moçambique, revisitando e pesquisando o local no período colonial por meio de cartas deixadas por diversos personagens, me faz lembrar sobre os negacionismos presentes no nosso cotidiano.


Negar a realidade parece ser uma maneira de se viver mais fácil, mais bela, no entanto, o quanto omissos podemos ser diante dos males e das maldades que acontecem à nossa frente?


A partir deste trecho do livro de Mia Couto, quero dialogar a respeito de um tema que me cabe: sobre a missão e o papel do jornalismo, atualmente.


Para chegar a essa discussão, fui lá na literatura conceitual da natureza da profissão, pegando o livro O que é jornalismo, escrito pelo então jornalista Clóvis Rossi, um dos mais premiados e atuantes jornalistas da nossa história recente.


“Jornalismo, independentemente de qualquer definição acadêmica, é uma fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de seus alvos: leitores, telespectadores ou ouvintes”.


Então, diferente do que pode se ter ideia, o jornalismo não está livre de direções, ideologias ou interesses. Tanto dos próprios jornalistas, quanto dos seus diretores ou dos anunciantes interesses dos quais estão submetidos. Abordar ou não abordar um tema já faz parte da escolha do que é considerado importante ou menos importante.


O nosso jornalismo de massa teve como influência o jornalismo norte-americano, que tem como lema alcançar o mito da neutralidade, da objetividade, como se fosse possível fazê-lo.


A regra é: sempre abordar um fato um tema, sob dois ou mais ângulos, com fontes plurais, de diferentes contextos, deixando para o leitor tomar a posição e a própria conclusão. Teria o expectador ferramentas para fazer isso, principalmente no caso da televisão, por exemplo, que pouco tempo ou interação permite com quem recebe a informação?


Não sou contra a pluralidade de fontes, sou a favor, e compreendo a importância disso. Mas também não creio que a pluralidade por si só resolve o problema da presença ou ausência de ideologias e direções, ou mesmo das paixões de seus autores, no caso dos jornalistas.


Sabemos que o jornalismo de massa, por exemplo, foi por muito tempo conivente com a ditadura. Por muito tempo. Apontar as atrocidades da ditadura, na época, seria tomar partido? Ser de esquerda, comunista, parcial?


E então, penso aqui com meus botões. Nos dias atuais, quais são as omissões ou os negacionismos que estamos a fazer para atingir a tal da imparcialidade ou a neutralidade? E quantos males podem os veículos deixarem de apontar para chegar na tal neutralidade e passar a ideia de “verdade” ao leitor?


Não há respostas prontas aqui, já digo de antemão.


Você vê feminismo e racismo em tudo?


Retomando ao tema que eu inicio o texto, racismo. É um tema que tem sido cada vez mais abordado pela imprensa, o que considero importantíssimo. Muito desta cobertura é consequência da ênfase e da resistência de intelectuais negros que não se calaram e não se calam, exigindo o seu protagonismo nas narrativas.


No que se refere à abordagem feminista, a revista AZMina é extremamente educativa e aborda os fatos cotidianos sob a perspectiva da mulher em seus direitos de igualdade, sendo um instrumento importante para quem deseja compreender o mundo a partir da experiência da mulher.


Mas você vê feminismo em tudo? Você vê racismo em tudo?


Se nos espaços de poder, ainda não conseguimos equilibrar de forma mais equânime raça e gênero, enquanto a maioria da população é negra e mulher, no Brasil, sim, será preciso discutir racismo e feminismo.


Aproveitando, recomendo a leitura de Quem tem medo do feminismo negro, da Djamila Ribeiro, e do Pequeno Manual Anti-racista. Aliás, já é hora destes livros serem distribuídos nas escolas como base para a formação de cidadãos brasileiros.


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