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Foto do escritorMariana Vilela

Women writers matter? Escritoras mulheres importam?

Atualizado: 27 de fev. de 2021

Editoras e agentes literários(as) analisam o atual mercado editorial para mulheres


Por Mariana Vilela

Revisão: Deborah Rebello


Em todas as áreas de atuação, assistimos a uma exigência maior de participação das mulheres, refletindo o contexto do "feminismo da terceira onda", ou seja, uma reivindicação mais contundente em relação aos movimentos anteriores. No âmbito da literatura, não é diferente. Há cobrança e estímulos tanto para a leitura de mais autoras, em publicações atuais ou mais antigas, quanto fomento para que elas publiquem mais. Mas existe, de fato, uma revolução literária acontecendo para elas?

Uma das iniciativas mais notórias que demonstra a alta demanda por literatura feminina é o rápido crescimento do projeto Leia Mulheres www.leiamulheres.com.br, que iniciou no ano de 2015 pelas colegas Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelhe Henriques, todas atuantes no mercado literário.

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Fundadoras do Projeto Leia Mulheres/foto: Alessandra Postalli

A ideia começou com pouca pretensão, motivada pela inquietação de uma das fundadoras, Juliana Gomes. “Comecei a perceber que, tanto nos eventos em que eu trabalhava e realizava, e na própria estante da minha casa, os livros preferidos eram todos escritos por homens. Compartilhei essa visão com Juliana Leuenroth, que convidou a Michelle Henriques, e então começamos um clube de leitura de livros escritos apenas por mulheres”, relembra.


Em pouco tempo, o projeto ganhou amplitude e, hoje, está espalhado em mais de 120 cidades do Brasil, com uma média de 400 mulheres mediadoras de clubes no país e também na Suíça, Alemanha e Portugal. “O projeto virou trabalho acadêmico, clubes de leituras proliferaram e as pessoas estão se atentando a olhar para suas estantes e leitores digitais e ressignificar suas leituras com mais representatividade”, acredita Juliana.


Para ser mediadora do Leia Mulheres, não é preciso ter formação acadêmica específica, basta se interessar por literatura e ser do gênero feminino. E, para participar dos clubes, não há restrição. Qualquer pessoa pode integrar-se aos grupos, inclusive os homens, que são muito bem recebidos.


Ela diz que as obras lidas nos clubes locais são muito diferentes, de forma que as mediadoras têm autonomia para escolher as autoras que desejarem de acordo com as gostos e estilos das regiões em que são realizados. "Isto se torna muito interessante o projeto, pois há um compartilhamento de indicações", acrescenta.


Todo esse movimento de leitura de mais escritoras mulheres parece levar algumas editoras a se atentar para a tendência.

A Editora Penalux é uma delas. Fundada em 2012 pelos autores Tonho França e Wilson Gorj, com um catálogo de gêneros variados, que inclui tanto autores estreantes quanto consolidados, resolveu apostar em um selo feminino: o selo Auroras, hoje coordenado pela escritora Dani Costa Russo.


Dani conta que, em apenas um ano, com todas as dificuldades impostas pela pandemia, foi possível movimentar o cenário literário trazendo obras de autoras iniciantes que não só se tornaram escritoras publicadas, mas passaram a incentivar outras mulheres a desengavetar obras.

“A leitora brasileira quer ler mais mulheres, pois busca se identificar com os livros, com personagens e com as mensagens”, afirma Dani Costa Russo, coordenadora do selo Auroras. Ela reflete, também, que o público-leitor, de uma forma geral, almeja por mais escritoras, daí a criação do selo feminino, que tem como proposta ajudar escritoras e leitoras no entendimento do que é o mercado editorial e como funciona o processo do livro.


O editor Tonho França afirma que a presença masculina ainda é maior no mercado editorial, mas o cenário vem mudando. No caso da Penalux, houve um processo pró-ativo de abertura literária, com estímulos e parcerias com coletivos femininos e intensificação de aprovação de antologias e originais escritos por mulheres de todos os lugares do Brasil. “Mas a partir de 2019 essa intensificação tornou-se um processo natural, com escritoras enviando seus originais em igual ou maior número que homens, de forma que, atualmente, podemos dizer que publicamos em igual proporção homens e mulheres”, relata.


A editora e historiadora Deborah Leanza, que fundou a Mocho Edições há dois anos, acredita que existe, sim, uma revolução literária feminina acontecendo, especialmente porque, nos últimos anos, houve o surgimento de muitas editoras independentes comandadas por mulheres, assim como a sua. "E, mesmo entre as demais editoras, existe um forte movimento para dar visibilidade a novas autoras de diferentes localidades, ainda que às vezes exista uma estratégia comercial diferente", conclui.

Marcelino Freire, escritor
Marcelino Freire, escritor

Para o escritor Marcelino Freire, um dos autores mais atentos e difusores da representatividade da literatura, seja através de suas obras e do evento Balada Literária, organizo por ele na cidade de São Paulo, comenta que não é difícil perceber a transformação literária que se desponta. Basta entrar em qualquer livraria e observar os títulos estampados, seja nas editoras pequenas ou grandes. "Tem autores negros e autoras negras em grande número, assim como pensadores e pensadoras indígenas. Editoras que nunca estiveram preocupadas com isso (representatividade), agora estão”, destaca.


Ele acrescenta que esta transformação só foi possível graças aos movimentos afirmativos que surgiram. “Já viu algum movimento começar calmo, pedindo licença? O movimento Leia Mulheres chama a atenção, provoca, reivindica. Pergunta exatamente o que você me perguntou sobre quantas mulheres há nas minhas estantes. Uma pergunta que todos e todas têm que responder. Isso ajuda a modificar o nosso olhar, a avançar, a crescer”, conclui.


A produtora de conteúdo Camilla Dias
A produtora de conteúdo Camilla Dias

Na internet - O movimento literário feminino se reflete também nas redes sociais, em perfis de influenciadoras que compartilham suas leituras, impressões e opiniões. Camilla Fernanda Dias, assistente social com pós-graduação em docência em Literatura e Humanidades, é uma delas. Desde 2015, mantém o perfil do instagram @camillaeseuslivros, que hoje conta com mais de 39 mil seguidores.

Em suas publicações, ela privilegia literatura feminina, além de leituras negro-brasileiras e africanas. "Ler mulheres é um ato político, uma maneira dar visibilidade e evidenciar a ótima literatura feita por nossas pares. Os autores homens sempre estiveram no topo em nível de visibilidade, vendas, cânones e prêmios literários, enquanto as mulheres ficavam em segundo plano, como se seus textos fossem menores", diz.


Outra editora bastante ativa nas redes sociais é da página do Coletivo Mjiba - termo do Zimbábue que

Elizandra Souza, do perfil @literaturafemininanegra

significa "Jovem Mulher Revolucionária", idealizada e mantida pela escritora, poeta e jornalista Elizandra Souza, no perfil do instagram @literaturanegrafeminina.


Com mais de 16 mil seguidores, as postagens são todas voltados para dar visibilizade às escritoras negras, publicadas ou não pela editora. "Na página, de vez em quando, falamos sobre o que é ser uma escritora negra, enfrentar todas as negativas e continuar acreditando tanto na nossa escrita, que passamos a nos autofinanciar, mesmo quando não conseguimos apoio público. O nosso lema de mercado é: procura-se leitores de mulheres negras".


Invisibilidade na história


A escritora e pesquisadora Cecilia Furquim, que tem se dedicado a estudar literatura brasileira de autoria feminina, acompanha o cenário e acredita que a tendência da leitura e publicação de mulheres está mudando, sim, mas menos do que deveria.


Ela cita a escritora e crítica literária Heloísa Buarque de Holanda, que nos lembra que os estudos feministas acadêmicos e o feminismo interseccional tem reivindicado escuta já há quarenta anos, mas, segundo ela, essa escuta foi ‘fraquíssima’, o que gerou uma reivindicação mais incisiva nesse boom feminista do segundo milênio. Isso se reflete na literatura.

Em sua tese de doutorado, Cecilia pesquisa escritoras da primeira metade do século XX: a mineira Ruth Guimarães, Pagu e Gilka Machado, oferecendo-nos um olhar sobre o apagamento dessas mulheres na história.

A poeta e pesquisadora Cecilia Furquim

“São escritoras que tiveram um processo de apagamento parcial, pois num primeiro momento, conquistaram uma atenção jornalística, com críticos consagrados se pronunciando a respeito de suas obras. Porém, a atenção foi logo descontinuada”, relata.


Apesar de não ter conclusões fechadas, pois a pesquisa ainda está em andamento, Cecilia Furquim acredita que o fato de serem mulheres, entre outras condições, certamente ajudou a brecar sua legitimação.


Ela conta que a escritora Gilka Machado, por exemplo, mulher mestiça e pobre, que ousava imprimir erotismo à sua escrita, recebeu a fama de “matrona imoral”, o que lhe fechou as portas dentro e fora do âmbito literário. No caso de Pagu, a jornalista e escritora Patrícia Rehder Galvão, o fato de escrever assumidamente com engajamento político e de incluir a opressão machista entre seus temas, desagradou “gregos e troianos”, segundo a pesquisadora. Já a escritora Ruth Guimarães, negra, pobre e de origem caipira, inicialmente instigou a curiosidade de intelectuais que queriam mostrar-se sem preconceitos e inclusivos, mas que fo incapaz de sustentar este reconhecimento a longo prazo. “Atrapalhou o fato da escrita de todas essas mulheres não se acomodar plenamente a uma estabilidade de tendências já testadas”, afirma Cecilia.

A escritora Gilka Machado foi considerada matrona imoral
A escritora Gilka Machado foi considerada "matrona imoral"

A dificuldade de compreensão e abertura para diferentes temáticas exploradas pela mulher, ainda hoje, é um ponto também mencionado pela pesquisadora, que também é poeta. “Existe um controle velado, ainda hoje, em convencer que, na verdadeira poesia, o eu lírico não deve falar daquilo que ameaça. O grupo de direita acha que a poesia não deve falar das questões sociais, pois é preciso se concentrar na ‘universalidade’ dos problemas. Mas os feminismos são sobre as diferenças, sobre o particular. Já em certos grupos de esquerda, acredita-se que só as questões sociais teriam valor, sem acolher certos temas pessoais delicados, familiares, afetivos e sexuais”, complementa.


Ela acredita que todo este cenário provoca muita insegurança por parte das mulheres, seja para a vida em geral, seja na hora de publicar. Inclusive, ela afirma ter sentido isso na sua própria trajetória profissional ao não se sentir encorajada pela família e pessoas próximas.“No meu entorno, tudo isso acontece de forma subliminar, muitas vezes inconsciente, dentro de uma cultura que procura escorregar, velar, mais do que confrontar”, sintetiza.


Prevendo esta questão, o Clube de Escrita para Mulheres, também iniciado em 2015 assim como o Projeto Leia Mulheres, é uma iniciativa importante para incentivar as mulheres a escrever e publicar, trabalhando a motivação e autoestima das escritoras.

Fundado pela escritora Jarid Arraes, a partir do ano de 2017 transformou-se em um movimento coletivo, e, no ano de 2020, logo antes de estourar a pandemia, estava acontecendo em uma sala do prédio principal da Biblioteca Mário de Andrade, quando teve a lotação da sala.

Além disso, durante seu período de existência, várias mulheres que frequentavam o Clube passaram a publicar.

Segundo a escritora Anna Clara de Vitto, que hoje é coordenadora do Clube de Escritas junto com Jarid Arraes, não há dúvidas deque as mulheres, cada vez mais, estão abraçando a própria voz e tomando posse do direito de contar as próprias histórias. No entanto, pondera que o mercado literário ainda é fechado.


“Apesar do saudável aumento das publicações de mulheres, especialmente por editoras independentes e não raro chefiadas por mulheres, ainda noto que existe a noção de que a literatura feita por mulheres e minorias em geral é vista como `literatura de nicho´. Eu não gosto desta expressão. Ainda existe essa resistência em entender que nossa escrita também pode ser universal, porque literatura, como toda arte, é expressão do humano”, conclui.


Serviço:

Leia Mulheres: leiamulheres.com.br

Editora Penalux: penalux.com.br

Mocho Edições: mochoedicoes.com.br

Balada Literária: baladaliteria.com.br

Editora Mjiba: @literaturanegrafeminina

Camilla Dias: @camillaeseuslivros

Clube de Escrita para Mulheres: @clubedaescrita

Cecilia Furquim: @ceciliafurquimmarinho

Participantes do Clube
Participantes do Clube de Escrita para Mulheres




















1 Comment


Muito bom artigo que nos convida a refletir mais profundamente sobre a questão da representativade na literatura brasileira e sobre quem, historicamente, sempre teve voz mais ativa nesta área. Que bom que existem movimentos como estes que, por um lado encorajam e estimulam o surgimento de novos valores literários femininos e, por outro, contribuem para resgatar a história e a memória de tantas outras autoras femininas que, por um motivo ou outro, a história lhe negou o devido reconhcimento.

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